Os Anjos não têm costas. E a Justiça portuguesa… isto não é o da Joana?
O julgamento mais absurdo do ano e o país que adora rir-se (ou chorar) disso tudo.
Entre egos melódicos e ironias judiciais, Portugal assiste ao julgamento mais insólito do ano uma tragicomédia onde a liberdade de expressão vai ao banco dos réus… e sai a rir-se. Entre a liberdade de expressão, os danos morais, o sono perdido e um aparato digno do Big Brother VIP, Portugal assiste, entre gargalhadas e incredulidade, a um julgamento que junta cantores melódicos, humoristas sarcásticos e jornalistas em direto à porta do tribunal. Parece ficção, mas é real. Só falta o genérico e o patrocínio da Prozis, dos suplementos alimentares.
Ora vejamos: Portugal é um país especial. Campeões da indignação moral, da calçada à portuguesa e dos processos que duram mais que a vida útil de uma impressora do Estado e do Ministério Público. Mas também somos — nós ou alguém por nós — exímios em transformar ninharias em escândalos de primeira página, que dão audiências nas televisões. E é neste contexto que nasce o caso Anjos vs. Joana Marques, um drama judicial com mais palhaçada do que matéria penal.
Do lado dos queixosos, os manos Rosado, também conhecidos como Anjos. A boys band favorita de quem hoje já tem hérnias discais, filhos adolescentes e o YouTube em modo nostalgia. Do outro lado, Joana Marques: humorista de microfone afiado, rainha dos resumos da semana e uma das poucas pessoas em Portugal que consegue ser mais certeira do que um painel de comentadores da CNN com três mestrados e zero sentido de humor.
O “crime”? Ter graça a mais.
Segundo consta do processo, Joana Marques terá ultrapassado os limites do humor aceitável, transformando piada em ofensa, ironia em difamação e sátira em tortura emocional. Os Anjos alegam que perderam o sono, o apetite e, quem sabe, a vontade de cantar baladas em falsete. Agora o tribunal tem de avaliar o tamanho do dano. Como? Com fita métrica emocional? Escala de vitimização de 0 a “muito magoado”? Nível de suscetibilidade auditiva?
Mas o mais surreal nem é a queixa — que já seria discutível — é o aparato mediático. Câmeras à porta do Palácio da Justiça como se estivéssemos à espera do novo treinador do Benfica ou da chegada de um craque ao aeroporto. Jornalistas em direto, comentadores em painel, humoristas chamados a depor como peritos forenses em sarcasmo. Já foram ouvidos Ricardo Araújo Pereira, Fernando Alvim…só falta mesmo irem o Herman, a Maria Rueff, o Toy, só para equilibrar os registos e garantir um júri eclético.
Justiça ou showbiz?
Chamam-lhe justiça, mas isto já é showbiz com toga. O que se vê nos noticiários parece um cruzamento entre Alta Definição, 5 Para a Meia-Noite e Casados à Primeira Vista. O palco? As portas do tribunal no mamarracho do Palácio da Justiça — que, por acaso, me tapava a vista quando era criança na casa dos meus pais. O público? Nós todos, entre o bocejo, o clique e a gargalhada. E também a indiferença…
Dizem que a liberdade de expressão é sagrada e é sem dúvida. Mas parece que há quem a queira colocar-lhe rodinhas, manual de instruções e cláusula de exceção para egos feridos. A verdade é esta: ninguém é obrigado a seguir humoristas nas redes sociais. E sejamos francos: se ofensa fosse critério para litígio, metade dos portugueses estava em tribunal só por ler ou fazer comentários no Facebook.
E o mais trágico de tudo isto? A Justiça portuguesa, essa que arrasta há anos processos de violência doméstica, partilhas, despejos, etc. coisas importantes que dizem respeito ao dia-adia das pessoas ou os famosos ‘mega-processos’, está agora ocupada a decidir se a Joana Marques fez os Anjos chorar. Como se os tribunais estivessem tão aliviados de trabalho que pudessem dedicar-se ao prime time da sensibilidade. Com diretos nas televisões e tudo.
Um sketch, não uma sentença
Este processo — que mais parece um episódio do Gato Fedorento mal digerido — devia, no máximo, dar direito a um sketch do Estão a Gozar Com Quem Trabalha. Mas vai dar lugar a uma sentença jurídica. A justiça, essa senhora cega mas agora também surda ao bom senso, anda a gastar tempo, dinheiro e neurónios dos seus profissionais a julgar uma piada que foi longe demais.
E onde fica, então, a nossa velha tradição das Cantigas de Escárnio e Maldizer? Essa sim, uma herança portuguesa, anterior ao humor de bancada e aos tribunais de egos. O problema não é a piada: é o país que deixou de saber rir-se de si próprio.
Se Joana Marques vai ou não para o inferno, não sabemos. Mas este julgamento é uma viagem direta ao purgatório do ridículo. Uma tragicomédia onde todos saem a perder: a Justiça, que se banaliza; os queixosos, que se expõem ao escárnio; e o público — nós — que, para cúmulo, financiamos o circo com os nossos impostos.
Enquanto isso, os verdadeiros problemas do país continuam em lista de espera. Tal como milhares de portugueses à espera de decisões que mudem alguma coisa no seu dia a dia. Mas pronto, ficámos entretidos. Porque em Portugal, justiça que se preze também tem intervalo para rir ou então serve para desviar atenções de assuntos mais sérios.
©José Vieira Mendes/Imagens de Fundo
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